segunda-feira, 6 de maio de 2013

"Refletindo sobre a maturidade"




Refletindo sobre a maturidade, sobre  o “envelhecer”, deparei-me com um testemunho maravilhoso e super interessante da editora e escritora ,chamada “patrona do feminismo brasileiro”, incluído no livro “Um outro envelhecer é possível” organizado por Lucia Ribeiro.        

                          TESTEMUNHO
                    (Rose Marie Murro)
      A velhice é o tempo melhor de minha vida: as melhores coisas me aconteceram depois dos 70 anos.
      Mas vivo uma esquizofrenia: a cabeça está a mil; e meu corpo, desmontando...  Porque sou duas pessoas; uma é a
pessoa física, que foi doente a vida inteira: nasci com uma doença nos olhos- miopia progressiva e degenerativa- e tive vários problemas de saúde. Nestes últimos anos estive três vezes em gravíssimo perigo de morte e continuo com dificuldade para me locomover.
      A outra é a pessoa psíquica; psiquicamente eu era muito infeliz, porque não tinha consciência de que era uma pessoa diferente. Vivia isolada e fui uma criança toda voltada para dentro; falei com 6 meses, aos 4 anos aprendi a ler sozinha e sempre fui  a primeira no colégio. Foi assim a minha vida inteira;
Todo mundo dizia: você não pode escrever, não pode casar. Mas me casei, tive cinco filhos e escrevi: foi a única coisa que eu soube fazer na vida. Sempre fiz tudo sozinha. Pouquíssimas pessoas me entenderam. Porque eu fazia tudo o que eu não podia e acabava dando certo.
      Vivi de perdas a minha vida inteira. Só comecei a ter ganhos quando percebi que eu era uma pessoa completamente diferente de todas as outras e rompi com todas as leis: aí eu comecei a ganhar.
      Tive cinco filhos e com as crianças eu fui feliz. Tudo dependia de mim, meu marido gastava todo o dinheiro e não ajudava em nada. Eu é que produzi minha própria sobrevivência, a de meus filhos e até a de meus netos: os que eram pobres, eu eduquei.     
  E eles sabiam que eu era uma boa mãe, que eu era mãe integral.
      Hoje tenho 5 filhos, doze netos e três bisnetos maravilhosos: é muita gente...E estão sempre perto de mim: uns me oferecem apoio financeiro, outros me oferecem cuidado. Tenho uma bisneta de 6 anos- adoro criança- e converso com ela que é uma beleza!
      Sempre trabalhei- para me manter e à minha família- e serei obrigada a trabalhar até meu último dia de vida. E o diabo é que eu não posso mexer com o computador. É preciso que alguém digite para mim, senão tudo se inviabiliza.
      Acabo de lançar um livro: “Os avanços tecnológicos e o futuro da humanidade”, com 356 páginas. Levei dez anos estudando, enquanto fazia outros livros, que eram mais simples, não tinham nem referências bibliográficas. Já , só para escrevê-lo, foram dois anos.
      E tem palestras! A próxima será próxima será sobre mulher e tecnologia, porque ninguém trabalha esse tema. E agora surgiu o problema das moedas complementares: estou me dedicando a essa moeda feminina e vendo a economia do ponto de vista das mulheres.
     Fui casada, me separei, tive muitos namorados. Agora estou vivendo com um companheiro 40 anos mais novo que eu. Essa relação se iniciou quando eu já tinha 70 e tantos anos; e foi por causa da Marguerite Duras que eu o aceitei, porque ela também viveu com um homem mais jovem e deu certo. Já faz 7 anos que a gente está junto. Ele mora em São Paulo; e eu, no Rio de Janeiro: não posso ter ninguém perto de mim. Nem ele. E eu sempre querendo acabar a relação- 40 anos de diferença!-, mas sempre seguimos em frente... Isso porque senti que ele era diferente. Agora a gente não pode mais ter transa física , porque minha saúde não permite. Mas a qualidade do amor é superior: é muito mais uma doação. E só com ele tomei consciência realmente de que ninguém é igual a mim. Aí então consegui entender minha vida. Norberto Bobbio, la vechiaia É uma merda...
      Mas nunca senti realmente isso porque vivo com a cabeça em outras coisas, na construção do futuro: eu sempre estou na ponta de meu tempo. Minha idade real sempre passou despercebida. Eu acho que velhice existe é na cabeça.
      Pintei os cabelos, porque estava sempre na televisão. E quando você está na mídia e tem cabelo branco, é sinal de que está declinando. Homem pode ter cabelo branco- porque é sábio- mulher, não! Então, resolvi: não vou fazer nenhuma plástica, mas vou pintar os cabelos, porque isso tem uma função. Se eu fosse casada, como minha irmã, com um companheiro de 50 anos... Se eu tirar a pintura do cabelo, acho que ficará branquinho; e quando eu estiver muito velha, vou pintar meus cabelos da cor do arco-íris, desde o vermelho até roxo...
      Velhice eu não sei o que é, nunca pensei nela. O que existe na vida é maturidade. Cara, eu me sinto com 15 anos, que negócio é esse de ser velha? Mas se eu não fosse velha, não entenderia nada: a realidade humana é muito mais profunda do que esta porcaria que a gente vive.
      A finitude começou a me perseguir faz uns 15 dias, porque vou fazer 80 anos.
      Quando eu era criança, a mulher de 40 anos já ficava fazendo companhia aos gatos e já era avó, não tinha nada o que fazer. Depois eram as mulheres de 50 , 60 anos, é que eram velhas; e até os 70 ainda era possível. Quando completei 70 anos, fiz três festas, em São Paulo, no Rio e em Brasília.
      Agora que eu vou fazer 80, de repente eu me dei conta  de que estou á beira de um abismo: você tem que morrer !Porque para mim 80 anos nunca existiram. Antes eu ignorava a velhice. Não existia. Estava tão ocupada com outras coisas, que nem via, nem percebia.
      Ainda estou acabando de “engolir” meus 80 anos. Vou fazer uma festa de 81-80 não, porque é muito convencional; vai ser uma festa de 81, porque oito mais um é nove, e noves fora zero: e aí começa tudo de novo. Vai ser chamada “ a festa do tombamento”. Aí eu viro um monumento nacional tombado...
      Acho que estou conseguindo aceitar a finitude. Tomei as rédeas nas mãos. Ela não me assusta mais como um monstro. Não se pode negar a realidade, negar para que?
      Às vezes me sinto uma mulher em declínio. Mas outras vezes acho que sou eterna. Parece que tenho 15, 20,30,50,60,80 anos: tudo junto. Porque todos nós temos a semente dessa eternidade.
      Vivo o dia a dia, seja o que for. Passou um dia, eu já fico feliz. Mas eu acho que assumi plenamente a finitude: estou muito curiosa para ver o que há depois da vida... Se não tiver nada, ótimo também, porque eu fiz tudo o que queria.


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