segunda-feira, 13 de maio de 2013

Que presente te dar?



        Dentre as crônicas de amor e outros afetos, do escritor Affonso Romano de Sant'Anna, escolhi uma das mais lindas para mostrar a vocês. Como esse autor escreve,meu Deus!!!



      Que presente te darei, eu que tanto quero e pouco dou, porque mesquinho, egoísta, distraído não te cumulo daquilo que deveria cumular?
      Deveria desatar  inúmeros presentes ao  pé da  árvore, entreabrindo  jóias, tecidos, requintados e pessoais objetos, ou deveria dar-te o que não posso buscar lá fora, mas o que em mim está fechado e mal sei desembrulhar?
      Gostaria de dar-te coisas  naturais, feitas com a mão, como fazem os camponeses, os artesãos, como faz a mulher que ama e prepara o Natal com seus dedos e receitas, adornos e atenção.
      Te dar, talvez, um pedaço de praia primitiva, como aquelas do  Nordeste, ou de antigamente- Búzios e Cabo Frio; um pedaço de mar das Ilhas do Caribe, onde a água e o amor são transparentes e onde a areia é fina e brilhante e, sozinhos, habitam a eternidade, os amantes.
      Te dar aquele verso de canção um dia ouvida não sei mais aonde,
se numa tarde de chuva, se entre os lençóis cansados;  um verso, 
uma  canção ou talvez o puro som de um saxofone ao  fim do dia, 
som que  tem qualquer coisa de promessa e melancolia.
      Fugir uma tarde contigo para os motéis, quando todos os homens se perdem nos papéis e escritórios, números e tensões; fugir contigo para uma tarde assim, um espaço de amor entreaberto na peça que nos prega a burocracia dos gestos.
      Gravar numa fita as canções que me fazem lembrar de ti e ouví-las, ou tocar de algum modo, em algum cassete as frases que disseste, que em mim gravaste: frases líricas, precisas, que quando estou cinza, relembro e me iluminam.
      Te enviar todos os cartões que colecionas, de todos os lugares que conheço ou que tu nem imaginas, ir a essas paisagens e ilhas e habitá-las com os selos e palavras de intermitente paixão.
      Dar-te aquela casa de campo entre montanhas, aquele amor entre a neblina, aquele espaço fora do mundo, fora de outros espaços, sem telefone, sem estranhas ligações, para ali nos ligarmos um no outro em
una e dupla solidão.
       Se queres jóias, te darei. Aqueles corais que vendem na Ponte Vecchia, em Florença; o âmbar ou as pérolas que expõem nas lojas do Havaí; aquelas pedras de vidro para iridescentes colares, que vendem em Atenas, ao pé da Plaka, ao pé da Acrópole, que amorosa nos contempla.
      Te dar numa viagem os castelos do Loire, e sair comendo e rindo juntos no roteiro gastronômico franco-italiano; ali comendo e aqueles vinhos bebendo, de tudo nos esquecendo, sobretudo dos remorsos tropicais
de quem tem sempre ao lado um faminto desamparado, de culpa nos ferindo.
      Te darei flores. Sempre planejei fazer isto.
Tão simples: de manhã acordar displicente e começar a colher flores sob a cama. 
Ir  tirando  buquês de  rosas,  margaridas,  vasos  de íris,  orquídeas 
que estão desabrochando e, uma a uma, de flores ir te cumulando. 
E amanhecendo  dirás: o amado hoje está doce, seu amor aflorou e está perfumado.
      Escrever bilhetes pela casa inteira, metê-los entre as roupas, armários, prateleiras, pra que na minha ausência comeces a desdobrar recados daquele que nunca se ausentou, embora esse ar de quem vive partindo, mas, se alguma vez partiu ,partido foi para reunido regressar.
      Te dar um gesto simples. Passar a mão de repente sobre tua mão, 
como se apalpa a  vida ou fruto que pede para ser colhido.
      Te dar um olhar, não aquele olhar distraído, alienado de quem está 
nas coisas prosaícas perdido, mas um olhar de quem chegou  inteiro
e que se entrega enternecido e desamparado dizendo: 
olha,  sou  teu,  agora  veja  lá o  que  vai  fazer  comigo! 

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