SAUDOSA MALOCA
Resolvi
contar para vocês como foi a passagem da nossa família pela saudosa maloca.
Digo maloca porque, quando nos mudamos de lá,
quando eu ia visitar os amigos, eles cantavam para mim:"Saudosa maloca, maloca
querida....”
Depois dos
meus pais terem morado numa espécie de pensão de um português, mudamos para um
casarão antigo na Rua Aimorés, Bom-Retiro. Era um casarão com vários quartos,
um banheiro coletivo, um quintal central. Nos fundos , lembro-me de uns tanques
para lavar roupas.
Cada quarto
era habitado por uma família ou em casal.
Eu tinha uns
3 anos quando fomos morar lá. Para uma criança era tudo lindo. Tinha as outras
crianças para brincar. Na época eu era filha única de imigrantes lutando para
sobreviver num país estrangeiro.
Nosso quarto
era no fundo e era melhorzinho porque tinha uma escada . Sob a escada, minha
mãe cozinhava numa espiriteira . Em cima era tudo junto. Minha caminha, a dos
meus pais, um guarda-comidas e louças.
Aos poucos,
eles foram os primeiros a comprar geladeira, sofá- cama e uma televisão. Meu pai
trazia discos 78 rotações e depois long plays ( valsas, tangos, ...) e colocava
na vitrola que era seu xodó. Tinha um acordeon e tocava de ouvido.
Lembro-me de
algumas pessoas que lá moravam. No primeiro quarto , à direita, morava o Sr.
Elias, um alfaiate boa gente, sua esposa e a filha Glória , que era minha
amiguinha.
No quarto à
esquerda morava a Tessília e seu amásio, um moço bem mais novo que hoje concluo
ser sustentado por ela. Era um abusador de nós crianças. Fingia que nos
abraçava para nos bolinar. Só depois de muitos anos percebi o “safado “ que ele era.
Depois, à
direita , tinha o quarto do casal, Merentina e seu jovem marido José. Eu amava
o casal e ia sempre visita-los para ganhar azeitonas verdes que eles guardavam
num pote grande. À esquerda vinha o quarto da vovó! Era uma idosa,
provavelmente da família dos proprietários, pouco enxergava e todos ajudávamos.
Ela cozinhava num fogão à lenha.
Ficou uma
imagem do dia em que virou uma panela de água fervendo nela . Minha mãe
passando nela uma pomada amarelinha para queimaduras , nunca me saiu da memória.
Minha mãe
tinha sido enfermeira no final da guerra e não temia nada. Ela sempre socorria
quem precisava, dava injeções, se aplicava sozinha quando precisava também.
Mais no
fundo, depois do nosso quarto, havia um quarto que minha mãe logo alugou e
começou a costurar para fora, para as confecções de roupas do bairro. Havia
suas máquinas e uma mesa de corte. Enquanto minha mãe passava noites inteiras
costurando, eu adormecia embaixo da mesa de corte.
Meu pai, que
era um respeitado tenente na Grécia, teve que começar a vida e consertava
máquinas de costura em domicílio, de dia. Muitas vezes me levava com ele. Era
divertido irmos de trem para os subúrbios. Muitas senhoras me tratavam bem, me
serviam alguma guloseima.
À noite ,
para aumentar a renda, ele dormia na empresa para qual prestava serviços de
técnico, no papel de guarda- noturno. Era a loja chamada Irmãos Vitale. Muitas
noites, minha mãe preparava comida para o meu pai e íamos levar o jantar para
ele. Essa união que os salvava de tantas agruras.
No fundão à
direita morava a Odete que tinha um amante , quarda civil , João, e uma filha
Zuleika, minha amiga e inimiga porque, vira e mexe nos pegávamos. Me vem à
mente o dia em que ela me tacou um banquinho de madeira na cabeça e eu revidei
com outro nela. Ficou a imagem da mãe dela e da minha lavando nossas cabeças
nos tanques ao mesmo tempo. Fazíamos bolinhas de sabão batendo sabão com água numa lata. Brincávamos
na calçada de queimada, corda, bolinhas de gude, esconde-esconde etc.
Eu fui filha
única até os 7 anos e queria muito ter irmãos. Eu me achava importante quando
dizia aos amigos “Venham irmãos”. Queria que todos pensassem que eu tinha
irmãos.
Havia o
quarto de 2 irmãos gregos que se tornaram grandes amigos dos meus pais( Leonidas
e Sotiris). Minha mãe se condoía com a solidão deles e os chamava para dividir
suas comidas deliciosas.
O Sotiris,
até hoje me emociona quando conta essas histórias e fala da sua gratidão à meu
pai e minha mãe a qual chama de “FERA”. Era a fortaleza em pessoa.
No fundão à
esquerda, ficava o banheiro mal cheiroso. Minha mãe me dava banho em casa numa
bacia de alumínio e eu tinha um penico com “decalcomania” e tudo.Decalcomania(
uma espécie de adesivos que eram descolados com água e colados depois onde
desejássemos).
O João, pai
da Zuleika também era um abusador. Hoje sinto nojo quando me lembro das
brincadeiras dele. Colocava o isqueiro no bolso e pedia para a filha e para mim
acharmos.
Vocês
entenderam a safadeza dele. Pena que na época eu não percebia, do contrário, se
minha mãe soubesse, acabaria com ele, literalmente.
Nas
brincadeiras de rua, corríamos até a venda do Sr. Humberto, um carequinha
simpático e comprávamos, maria-mole, balas, chicletes. Havia uma caderneta onde
ele marcava o que eu pegasse e minha mãe pagava depois.
Aos poucos
minha mãe foi prosperando e alugou mais um quarto onde colocou máquinas e
empregou costureiras. Tinha espírito empreendedor.
Um dia, um
vizinho judeu, para quem minha mãe costurava, chegou até ela e disse que ela
deveria mudar para uma sala grande. Aqueles espaços não eram mais suficientes.
Minha mãe
argumentou que não teria condições de arcar com um aluguel alto. Ele, porém, sabendo da garra dela e do meu
pai, ofereceu-se para ser o fiador. Assim foi feito e a confecção dos meus pais
começou no segundo andar de um prediozinho da Rua Aimorés, perto de casa.
Puseram o nome de TACIA (meu nome).
Dessa forma
foram crescendo, alugaram outra sala e daí em diante houve muita luta, muitos
tombos, tropeços mas foram vitoriosos. Minha mãe continuou com a confecção e
sua loja e meu pai abriu uma metalúrgica que prosperou.
Mudamos para
um apartamento confortável na Rua José Paulino, que para mim, era um palácio.
Isso se deu
quando meu irmão nasceu. Eu já tinha 7 anos. Ele chegou em dias melhores.
Mesmo com
muita dificuldade, meus pais me matricularam na melhor escola de freiras,
Colégio de Santa Inês, na Rua Três Rios. É um colégio salesiano que existe até
hoje. Tive uma ótima formação e agradeço muito a meus pais.
O meu pai,
como tinha estudado mais , me auxiliava nas tarefas, ia às reuniões escolares e
cuidava do meu lado intelectual.
Minha mãe
,guerreira ,cuidava da parte prática. Fazia-me roupas lindas e cuidava de tudo
em casa até conseguir uma auxiliar pois trabalhava o dia todo.
Em cada
aniversário, eu ganhava um lindo vestido, sapatinhos, meias,luvas, bolsinha,
fita linda nos cabelos. Minha mãe me enfeitava, colocava minhas joinhas e íamos
com meu pai ao fotógrafo tirar a foto do ano.