Há algum tempo atrás li um texto do Ignácio de Loyola Brandão sobre minha querida Grécia, em tempos de crise.
Pensei que só nós, os amantes dessa terra, por sermos gregos ou descendentes, tivéssemos um olhar carinhoso e um orgulho mais do que justificado por nossas raízes.
Deparei-me com um texto tão emocionante, tocante que resolvi passar para os que ainda não leram.
Trata-se de um olhar de alguém com cultura e sensibilidade e que soube, mesmo em épocas de crise, vislumbrar o espírito grego.
Eu confesso que me envergonho por não conhecer mitologia grega mas prometo que farei um curso logo que possível.
Trata-se de um texto meio longo mas imperdível!O autor sabe escrever, sabe nos tranportar para onde se situa, para tudo que viu e sentiu.Obrigada Loyola Brandão.
Segue texto na íntegra:
"Chegamos ao olho do furacão, em "plena crise"grega. Que hora de ir para a Grécia, nos diziam as pessoas. O povo está nas ruas revoltado, vocês são loucos! Chegamos num domingo à tarde e encontramos realmente o povo nas ruas. Aqui, no bairro de Plaka, à sombra da Acrópole, o povo estava por toda a parte, sentado nos bares, passeando, comendo e bebendo, conversando e aproveitando uma bela tarde de sol, sob um céu profundamente azul. E ainda estamos na baixa estação, daqui a pouco vai ferver. Claro, há uma crise, há apreensão, vai haver uma nova eleição, a Alemanha pressiona a Europa para tirar a Grécia da zona do euro, o que trará problemas econômicoa e de desemprego.Logo a Alemanha, dizem os gregos, que enriqueceu com a adoção do euro?
Plaka , bairro central, é silencioso como uma aldeia, com melros que cantam nos telhados e nas árvores. Terminamos o dia com o mesmo ritual do terraço da casa de renato Assumpção Faria, ministro conselheiro da embaixada do Brasil, amigo de longo tempo. E, claro, araraquarense de boa cepa, ele e Márcia cresceram juntos, vizinhos parede-meia.Sentamo-nos de frente para a Acrópole que se ergue à nossa frente, quase como se estivesse dentro de casa, copos de vinho branco na mão, ou uma tacinha de tsipouros, a grapa grega, cercadsos por vasilhas de diferentes tipos de azeitonas.
Ah, as azeitonas gregas! A sólida, imensa rocha onde se situa o Paternon, vai mudando de cor à medida que a noite desce e as luzes começam a acender, acentuando relevos e mistérios e emocionando quase às lágrimas. Porque sabemos estar diante do mais da célebre monumento da civilização ocidental, com seus 2.500 anos de história, filosofia, pensamento, democracia. Aqui se criou tudo. Aqui o homem se pensou.
Subimos à Acrópole por longas rampas. Caminhada de horas. A visão que se tem do alto é de 360 graus. Como se pudéssemos ver a Grécia inteira. Parte dos tesouros arqueológicos do Partenon foi levada para o estrangeiro, principalmente para a Inglaterra, por Lord Elgin. Bem que Melina Mercouri, quando foi ministra da Cultura, tentou reaver. Quem disse? A história do mundo, da antiguidade até hoje, é feita de destruições, saques, pilhagens. Estou queimado pelo sol grego. Todas as aulas de história nos vêm à cabeça, sem contar que Renato Faria sabe tudo, conhece tudo,
Um daqueles poucos diplomatas que se enfronham na história do país em que está servindo. Também, mitologia grega é a fascinação, a criatividade. Atenas, que ta mbém conhecemos como Minerva, nasceu da cabeça de Zeus. Pronta, como escudo, lança e tudo mais. Deusa da sabedoria, da guerra, da ciência. De olhos verde-azulados. Virgem.
Antonio Maggialetti, formado em letras francesas em Pavia, que a cada dia entra na cozinha e prepara uma lasanha de alcachofras, ou um rigatoni com molho de linguiça italiana, segundo uma receita de bari, conectou-se à internet e programpu nossa viagem a duas ilhas, Myconos e Santorini. Tínhamos de escolher, começamos por Cyclades. A viagem de avião entre Atenas e Myconos dura 25 minutos. A viagem de barco entre Myconos e Santorini dura 3 horas pelo Flying Cat, veloz. Depois conto nossa aventura pelo Mar Egeu, nesse barco, com uma tempestade na cabeça. Imagino o que Ulisses passou naquelas frágeis embarcações. Myconos precisa ser visitada antes que as turbas de turistas dos cruzeiros (que descem, passeiam, olham e não gastam um euro) cheguem. Então-e esta foi uma época perfeita-, pode-se caminhar tranquilamente pelo labirinto de ruas brancas, com portas e janelas coloridas. Nosso hotel, o Madalena, ficava numa elevação, acima do porto velho, como uma vista a perder de vista, como dizem no interior. Contemplando o Egeu verde-azulado, com osolhos de Atenas.
Hotel Madalena-Myconos
Um barco sai pela manhã para ilha de Delos, essencial. Pois ali nasceu Apolo, o mais belo homem do mundo antigo, deus das artes, da música e da fortuna. Nasceu de Leto e Zeus e seu parto foi dramático, porque Hera, mulher de Zeus, enraivecida pela "traição", proibiu que todos a brigassem Leto.Finalmente, em Delos, uma ilha que vagava pelo mar, e era invisível, Leto deu á luz Apolo. No mesmo momento, cadeias de diamantes prenderam a ilha ao fundo do mar e ela se tornou invisível. O que era i-dilos (não visível) tornou-se Dilos(visível). Os deuses gregos tinham tudo de humanos, paixões, amores, ciúmes, traições, raiva, vingança, bondade. Se querem um conselho(pode parecer tolo, mas enfim), venham para a Grécia depois de ler mitologia. Na volta, prometo reler a Odisséia e a Ilíada. Estarei fazendo ao contrário, mas levarei comigo, para sempre, esta visão da Acrópole que fecha cada dia nosso.
Delos
Apolo
Terra do iogurte com mel. Nunca provei igual, nem provarei, a não ser aqui, quando voltar. Terra de peixes, lulas, polvos, anchovas, carneiros, leitões, coelhos (come-se muito, deliciosos), queijo feta, queijos variados, tomates suculentos, alho, alecrim, azeitonas,(foi Atenas, a deusa, que criou a azeirona, base da civilização mediterrânea), favas, pimentões, pepinos que brilham de tão verdes e saborosos, laranjas sanguíneas que nos dão um suco rubro e doce. Tudo regado com o elixir da Grécia, o azeite de oliva. E ainda vou falar de Santorini( de perder o fôlego), De Sunio, do pôr de sol, da lua crescente. Vou contar como nasceu o croissant que todos imaginam ser francês, mas não é.
Nessa hora, agradeço a Monteiro Lobato por "Os Doze Trabalhos de Hércules", livro que li e reli na infância. No fundo, preparou meu espírito para desfrutar o que estou percorrendo. Incrível, mas na verdade, o que se gravou lá atrás fica. E daquio, deste modesto canto de jornal, faço um apelo:pare com isso, Europa;pare com isso , Alemanha. Deixem a Grécia em paz com seus deuses, suas ilhas, seus mares verdes e azuis, suas oliveiras, seus vinhos, seu iogurte inigualável. Tudo começou aqui, deixem continuar. A vida é alegria! Viva Dionísio e Baco(e aqui cito noss, e viva o Zé Celso Martinez), viva Afrodite (Vênus), viva Hermes (Mercúrio), patrono de todos nós, viajantes, e viva Hestia(Vesta), a virgem, protetora dos corações e da luz.